terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Na praia

Agora são sete e vinte e seis, hora local. Estou acordada desde as seis e meia por causa da diferença de horário. Escrevo nas teclas minúsculas do celular. Ontem foi atípico: levamos dez horas pra chegar aqui, isso porque nem saímos da América Latina. 
Chegamos na areia tarde da noite. Fomos à pé até um trecho da estradinha pavimentada, quando passou o bondinho e nos deu uma carona. Ainda bem, porque eu já estava meia alterada pelos efeitos do vinho do jantar.
Foi compensador deitar finalmente nas cadeiras da praia e sentir a maresia. Ver as familias passeando com as crianças na praia iluminada apenas pelas estrelas brilhantes. Lembrei-me da minha chegada de barco a Portofino há muitos anos. O mesmo perfume, a brisa, crianças com os pés na água. Senti os olhos arderem como da outra vez. Que bom poder compartilhar isso com você agora, filha!


Punta Cana, 2 de janeiro de 2011

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Definitivo

Definitivamente eu sou MEDÍOCRE. E que alívio reconhecê-lo de uma vez por todas. Verdadeiro exercício de libertação.

sábado, 9 de janeiro de 2010

é proibido chorar

Apesar dos créditos finais já há alguns segundos (branco sobre fundo preto), ninguém se levanta da platéia. Como numa sessão de hipnose coletiva.
Ela se mexe, nervosa. Aflita para sair dali, limpando com a ponta dos dedos magros os rastros de lágrimas. Levanta o corpo e força sua saída ainda com a sala escura. Não entende seu próprio desconforto. Talvez a identificação com a personagem tenha sido demais, interpreta. Duvida que mais alguém no cinema (lotado) tenha chorado, afinal é uma comédia.
Está no cine Belas Artes desde as seis e meia. Foi uma dobradinha de Alain Resnais com  Anna Muylaert (a mesma de Durval Discos).
“Agora chega!”, diz pra si mesma. Sai apressada, pisando duro até o estacionamento.  Ainda bem que está sozinha. Decide não ir pra casa e acaba em uma lanchonete quase vazia. Melhor assim, pois sabe que vai precisar entender aquilo. Classificar, interpretar, nomear.
Repassa mentalmente a história e faz as costuras psicanalíticas possíveis.
A densidade da trama está em eliminar o elemento castrador, ‘impedidor’ do encontro amoroso da heroína e seu objeto de desejo. É o delírio de todos os mortais: eliminar o que nos impede o prazer.
O inusitado é que a coisa se concretiza. O ‘terceiro elemento’ do triângulo amoroso é eliminado pela mocinha. E o que é mais sublime: ela o faz sem saber, ‘sem querer’. É o ato falho, o inconsciente em ação.
A platéia se identifica com a mocinha, transformada em assassina. Acompanha sua culpa e mortificação. A partir dali, a culpa não a permitirá usufruir do prazer proporcionado pelo seu ‘objeto de desejo’ que agora é só seu e se coloca frágil e entregue.
A mocinha acolhe o mocinho, claro. Desfruta dos benefícios por ele proporcionados, mas nunca mais sentirá o prazer da conquista legítima. Tenta negar a culpa, tenta esquecer. Mas os fatos nunca perdoam uma alma abençoada pela neurose.
Na lanchonete quase vazia (especialidade: hambúrgueres) nossa cinéfila está pensativa. Engole o sanduíche e batatas sem prazer, mas sai dali saciada. E lembra que um amigo que assistira ao filme lhe disse que era “divertidinho”.
Sua angústia está em saber que não se pode eliminar o triângulo amoroso. Ele persistirá. 
Vai ter de falar sobre isso na sessão de análise. Enquanto isso, o hambúrguer e as batatas devem resolver.

laços

Às vezes sinto falta. Saudades dos sentimentos e das sensações livres. Ríamos por tudo e por nada, ocupados apenas em usufruir do tempo quente, das brincadeiras e festas.
Comer tudo o que se quer, nadar até a pele enrugar, cantar até o amanhecer, se esconder dos adultos que bisbilhotavam.
Algumas brincadeiras, de tão difíceis de compreender, fingíamos então (e fingimos hoje) que nunca aconteceram.
Lembro-me do prédio da rua Saint Hilaire. Do carrinho de pipoca e dos avisos da vizinhança sobre homens maus que perseguiam as crianças que nós éramos....Do meu cachorro que eu carregava feito boneca, do encontro com Papai Noel, de dormirmos todos em colchões no chão.....Crianças em férias escolares, despreocupadas, gargalhando como contorcionistas.
Eram tempos mágicos, em que antecipação se transformava em doces e beijos....em que desejos e idéias se materializavam. Tudo era, sim, possível. Não havia limites para nós. (Será que é assim para todos? Ou é algo típico de nós e de nosso sobrenome?)
A verdade veio, então: desrespeitou lares e enterrou esperanças. Mostrou-nos a crueza do medo e da solidão. A impossibilidade do diálogo. A morte e o luto precoces. Difamação, doença e perda se apresentaram também a nós (não somente aos outros, menos afortunados).
Crescemos fortes e altivos. Encaramos o passado com rugas de gente grande, desafiamos calúnias e injustiças, re-significamos sonhos.
Somos hoje pais atuantes e responsáveis. Atravessamos a grande noite, preparando os pequenos com um misto de verdade e doçura.
Sábios e sofridos, sabemos o quanto ainda podemos, por e apesar do aprendizado difícil e tardio.
E, embora calados e distantes, buscamos ainda o alívio e a cumplicidade nos encontros e abraços. Estes mais tímidos, mas igualmente sinceros e amorosos...

ligações perigosas

‘Não tenho a menor idéia’. Era o que ela diria se ele perguntasse. Mas ela sabia o porquê, sim. Tinha medo que ele percebesse e se magoasse mais. Então decidiu falar por telefone, assim correria um risco menor. Ligou na hora em que sabia que ele não estava e deixou recado com a irmã. Ligava para contar da viagem, explicar os pormenores, se ele quisesse que ligasse de volta. Mas não hoje, porque já estava tarde.
Tinha pena dele. Eram parecidos. Estavam no mesmo barco, afundando. Ele gostava dela e ela, de outro.
Quando o outro soubesse já estaria longe, “protegida”. Fora forçada pelos pais e pela condição do irmão mais novo, doente como estava. Iriam aproveitar para visitar os tios sem filhos, que poderiam hospedá-los e acolhê-los. Cada um com sua doença.
Já era tarde, mas não conseguia pegar no sono. Pensou no filme Ligações Perigosas com a Glenn Close no papel principal. Mas para ela o papel principal era o da Michelle Pfeiffer, claro. Pensava em como uma pessoa podia morrer de amor. Uma morte “natural”, lenta. Era isso que acontecia com ela? Os pais não permitiriam, fariam de tudo para que se recuperasse, encontrasse sentido em outras coisas. Ela nem se importava mais. Não iria contestar, porque não teria escolha aqui. Lá seria diferente. Poderia pensar direito, buscar alternativas.
Lembrou de uma cena marcante: Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer, delicada, com a pele fresca e branca) está na cama com o visconde. É uma cena de sexo com amor. Fica visível a entrega dos dois amantes e a rendição do visconde: ele, também, apaixonado. É reconfortante, perceber o visconde que antes apenas se divertia (uma diversão perversa), agora, apaixonado. Sorriu satisfeita, como se a cena lhe desse a certeza de quem nem tudo estava perdido.
Escolheu não dormir. Preferiu pesquisar sobre Les Liaisons Dangereuses  de Choderlos de Laclos. Descobriu que o livro rendeu onze adaptações para o cinema (o que provava a força e legitimidade da história).
Mas o que ficou na lembrança foi mesmo a interpretação de Michelle Pfeiffer no filme de Stephen Frears, frágil e intensamente apaixonada. Entregue ao Visconde de Valmont. E sua redenção no leito de morte, rodeada por freiras, inexperientes na entrega amorosa.
E, claro, sua recompensa: a morte do Visconde, que em seus últimos momentos, confessa seu amor.
Antes não o tivesse confessado, pensou. Melhor não saber que quase se foi feliz.

sábado, 21 de novembro de 2009

você



"Este seu olhar, quando encontra o meu, fala de umas coisas que eu nem posso acreditar...Doce é sonhar e pensar que você gosta de mim como eu de você..." (Antonio Carlos Jobim)



Quem poderia imaginar cantar em dueto canções da Bossa Nova com uma criança? Que essa criança escolheria Wave para coreografar e dançar diante de uma platéia desconhecida? Só você seria capaz...
Você, que quando bem pequena em uma viagem de carro com os avós cantou de cor
Este Seu Olhar, a música que ensaiamos juntas para o papai tempos atrás! Não conheço nenhuma outra criança que saiba de cor Este Seu Olhar...
Você, que adora tango e Tchaikovsky
, que me acompanha em peças de teatro proibidas para covardes, que filosofa sobre ciência e religião, que me ensina sobre o comportamento humano e suas incoerências, que me abraça quando me sente triste...

Que precisa do meu colo e compreensão, que me espera para o beijo de boa noite, que conta comigo para as grandes decisões, que sabe que pode confiar, porque sente o mesmo que eu: fomos feitas uma para a outra para sermos companheiras por toda a eternidade...
Não sei se tenho feito um bom trabalho. Acho que não. Mas meu sentimento é verdadeiro e profundo e meu pecado é o de nunca deixar nada na superfície das explicações tolas e vazias...Mas você aceita e até gosta porque somos tão parecidas!
Sinto tanto orgulho de você! Tanto, que nem consigo segurar a emoção enquanto escrevo isso. Admiração por sua coragem, seus valores, sua profundidade, sua busca por verdade e justiça.
Admiração por sua determinação em ser o que escolheu. Algo que eu nunca consegui, por ter sido uma criança perdida e aprisionada a uma vida que não era minha.
Só assumi meu lugar no mundo quando você apareceu treze anos atrás. Nunca mais fui a mesma. Você me transformou na pessoa que eu sempre quis ser.
Agradeço aos deuses por sua chegada. E a você, por conferir à minha existência alguma dignidade. 




* para meu único e verdadeiro amor, a quem amarei para sempre, chova ou faça sol.